“Deus sem Jesus é o Diabo”: Judeu Marginal confronta a fé como retórica de poder em novo single incendiário
À medida que o Brasil marcha para se tornar uma nação majoritariamente evangélica — um dado estatístico que pode soar como bênção ou alerta, dependendo do ponto de escuta —, a relação entre fé, poder e consumo se torna cada vez mais turva. Nesse cenário onde púlpitos viram palanques, e a espiritualidade se adapta ao marketing com direito a ingresso VIP de R$750, o trio Judeu Marginal irrompe como uma voz dissonante com o provocativo single “Deus sem Jesus é o Diabo”.
Lançada em abril pelo selo independente Se Vira Music — uma comunidade informal que respira via WhatsApp e se manifesta como um zine punk nas redes —, a faixa é um soco teológico em três minutos de ruído, reverberação e crítica. A produção é de peso: mixagem por Jorge Guerreiro (Sepultura, Pitty, Titãs) e masterização por Chris Hanszek (Soundgarden, Melvins), entregando uma sonoridade crua, quase apocalíptica, como se os profetas do Velho Testamento tivessem plugado guitarras em amplificadores Marshall.
Mas o que esse “Deus sem Jesus” quer dizer? O título não se presta a devaneios metafísicos — é direto, cortante e carrega em si a premissa que sustenta toda a crítica do trio: quando a fé se desconecta da ética religiosa, o resultado é um simulacro sombrio, pronto para justificar violências com versículos milimetricamente escolhidos. É o “evangelho” transformado em ferramenta ideológica, símbolo de poder e controle, em vez de amor e libertação.
A banda — formada por Letícia Moraes (vocais), EJ (guitarras) e Sergio Verine (bateria) — se recusa a habitar o limbo entre gospel e secular. Ao contrário: se lança de cabeça na provocação. “Deus sem Jesus é o Diabo, e desse deus sou ateu”, brada o refrão, em meio a riffs dissonantes e levadas tensas, lembrando que ainda existe música cristã feita contra o cristianismo institucionalizado.
A polêmica ganhou corpo após Verine afirmar, em um podcast, que “o diabo é o pai do rock”, complementando com a ironia bíblica: “Assim como o trovão foi pai de Tiago e João. Literal? Claro que não.” Uma releitura do velho Raul Seixas, que já via no “diabo” uma metáfora libertária contra a moral domesticadora.
Aqui, a provocação vai além: é uma denúncia à teologia do domínio, corrente que mistura fé cristã com projetos políticos autoritários. A música não propõe respostas, mas desestabiliza certezas — o que, convenhamos, já é um gesto profundamente cristão (ou ao menos evangélico, no sentido original da palavra).
“Deus sem Jesus é o Diabo” não é só um título chocante. É uma pergunta em forma de grito: que deus estamos adorando quando a religião se torna show, mercadoria, arma?
E nessa dúvida, o Judeu Marginal não quer ser guia espiritual. Quer ser incômodo. E consegue.
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