Do estrondo punk ao samba de asfalto, Magma Velvo, surge na cena carioca como uma fagulha criativa necessária
Nós somos o Magma Velvo! Nós quem? Todo o mundo e nenhum mundo. Eu e tu. O pai e o filho. O santo e o profano. É o preenchimento e o vazio. A unidade e o devir. O “in” e o “iângue”. O sublime e a baixaria. É a castidade e a sacanagem. O Magma Velvo é tudo e não é nada. O Magma foi, é, e será. Esteve presente nas primitivas manifestações do “Om”.
O Velvo foi o monólito inspirador dos primeiros batuques feitos com ossos; esteve presente no antigo Iraque, na concepção do Hino Hurrita; está nas cantigas das crianças e nas lamentações dos adultos; Magma Velvo é a Marselhesa dos Jacobinos, o banzo sonoro dos pretos catadores de algodão do Mississipi, é a tradição de Donga e Cartola, a guitarra punk, distorcida e “desafinada”. O Élan magmático hoje, no século 21 da era comum, está em Jorge Magalha e “Araquem?”, e pode ser apropriado e encarnado em qualquer coisa ou qualquer um.
A banda segue promovendo seus últimos lançamentos; “Samba Sangrando” e “Aquilombados Exusiásticos”.
“Samba Sangrando” é a faixa que inaugura o espírito de Magma Velvo. Nos tempos atuais, só se samba se sangrar um pouco, se doer um pouco, se sofrer um cado. No Brasil, o meio ambiente e o trabalhador vêm em último lugar. A música e vídeo têm a intenção de retratar as ambiguidades do Rio de Janeiro, do Brasil e do Mundo, por meio de cenários de abandono e aridez.
“Aquilombados Exusiásticos” é uma canção-reverência ao poder do povo afrobrasileiro através, sobretudo, do feminino, do corpo e do seu movimento com o universo, do ritmo e da memória das conquistas gloriosas e das dores incessantes. É a celebração da conexão entre o som e a alma. O sonho de liberdade e a luta contra a intolerância que veio desde Zumbi à Abdias, de Dandara à Marielle.
“Samba Sangrando”:
Conversamos com a banda sobre suas influências musicais, planos futuros, trajetória, entre outras curiosidades. Confira!
Como e onde surgiu a ideia de formação da banda?
Jorge Magalha: Tudo veio do ócio e da nostalgia do isolamento no auge da pandemia, a partir do exercício de compor canções em parceria pra ver o que sai. As canções foram se multiplicando, e delas nasceu a ideia do projeto com algum nome, marca, identidade pra poder gravar e se propagar. Araquem?: Magma Velvo surgiu da necessidade! Foi parto, vômito, impulso e intuição. Surgiu da necessidade de fazer e criar – programação inata em todos nós. A fagulha criativa de Jorge Magalha, Araquem?, Victor Louzada e Julio Longo ascendeu, acendeu e se espalha como brasa quente. Se você ainda não se queimou, cuidado! Se chegar perto, vira fogo. Magma Velvo é filho e fruto da pandemia. Surgiu, como tudo que é bom, das mesas de bar do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, em 2020.
De onde surgiu o nome “Magma Velvo”?
Jorge Magalha: É resultado de uma experiência coletiva inconsciente transcendental que ocorreu com cada membro da banda de forma separada e única. Mas resumindo, Magma Velvo é o lúdico mistério da vida através dos sentidos.
Quais são as principais influências musicais da banda?
Araquem: A flor que vence a resistência do asfalto. O dia nublado, sem chuva. Os atos desinteressados de solidariedade. A alegria ingênua do carioca. Bar com mesa de plástico e Heineken gelada. Um show do Ratos de Porão no Circo Voador; um choro no Nam Nam. Isso, pra gente, é a beleza das trivialidades. O feio também impacta: as ações vis e mesquinhas. O lixo, a sujeira. A decadência elegante da cidade do Rio. O caos climático, social e político. A nudez obscena do antigo rei do Brasil. O fascismo tupiniquim. A banalização do vírus, da morte, do mal. A possibilidade da guerra nuclear. O Cinema de Glauber Rocha e Luis Buñuel nos influencia. A poesia de Augusto dos Anjos, a prosa de Isaac Asimov; o absurdo de Camus e o desespero de Cioran; a música “nova”, a música “velha”, a música daqui, a música de lá; a guitarra elétrica, a caixinha de fósforos. Chico Buarque e Cólera. Tudo que tá no mundo é fluência e influência. Basta estar aberto e disposto para se deixar contaminar. A práxis magmática é reflexão e ação. E, depois, reflexão e ação, novamente. Somos os criadores, adeptos e propagadores da doutrina do “Sim”. “faça o que quiseres pois é tudo da lei”. Um muro erguido cumpre a função de dividir; um muro caído cumpre a função de unir aquilo que estava separado. A nossa é a filosofia do “muro caído”. Limite, para nós, é o filme do Mário Peixoto. Jorge Magalha: Com a benção de Sister Rosetta e Jimi Hendrix, Nelson Cavaquinho e Clementina de Jesus. Do bater do coração à explosão da bateria das escolas de samba na Sapucaí. Do estrondo do punk mais violento ao suingar do funk mais malicioso.
“Aquilombados Exusiásticos”:
A banda lançou recentemente dois videoclipes e dois novos singles. Como foi a gravação e produção desses novos conteúdos?
Jorge Magalha: Na base do amor, da amizade, do compromisso e respeito. É claro que nem tudo sempre é amor, tem ódio também pra dar uma equilibrada rsrs. Mas temos um grande orgulho e felicidade de ter trabalhado com pessoas de talento incrível. Artistas fora da curva como Macário, Darlin Carvalho, Sid Dore, Ju Santana entre outros. Fora a galera técnica do audiovisual que é da guerrilha por natureza. Araquem?: O Magma possui três lançamentos nas plataformas digitais. Todos com vídeo-clipe. “Samba Sangrando”, dirigido por Sid Dore, o primeiro, ganhou o Prêmio de Melhor Fotografia no 11° Fest Clip (Festival de vídeos da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). Lançamos, depois, “A Terra entrou em transe”. E o nosso último single foi “Aquilombados Exusiásticos”, com direção do nosso Jorge Magalha.
A cena independente costuma não ser tão favorável às bandas alternativas. Quais as dificuldades que a banda já passou nesse cenário e quais as maiores motivações da banda?
Victor Louzada: O Magma Velvo é uma banda recente e que está experimentando seus primeiros passos na cena independente, ou underground como alguns preferem se referir. Nossas experiências com bandas anteriores nos levam a crer que a baixa visibilidade dessa cena é um dos grandes fatores desfavoráveis às bandas alternativas, isso faz com que grande parte dos esforços realizados por parte das bandas fiquem alocados em pequenos nichos onde suas músicas circulam. Por outro lado, recentemente tocamos no Aldeia Rock Festival, um festival de grande relevância no estado do Rio de Janeiro, que mescla tanto bandas novas quanto bandas mais consolidadas no cenário nacional, onde já passaram bandas como: A Cor Do Som, Garotos Podres e Celso Blues Boy. Isso prova que também há pontos positivos como a existência de uma rede capaz de articular essas bandas e dar-lhes mais notoriedade. É nisso que apostamos.
Como vocês enxergam a trajetória do Magma Velvo, conquistas e o amadurecimento desde o primeiro dia juntos até hoje?
Jorge Magalha: Somos um bebê, vovô-bebê. Mas o início da trajetória está sendo prazeroso demais. O primeiro show no Aldeia Rock Festival foi incrível! Público bastante receptivo e caloroso. Araquem?: “Somos um bebê”, que ainda engatinha, tateia e, tudo que vê, coloca na boca. Como é novinho, ousa propor uma atualização dos vários gêneros que fazem sua cabeça. E, por ser ainda ingênuo, não tem medo do atrevimento de tentar ser original.
Suas músicas demonstram muita intensidade e entrega por parte da banda. Existe alguma composição que seja mais especial para vocês? Há previsão de novo lançamento?
Jorge Magalha: Cada um deve ter uma. Teria que fazer uma votação. Araquem?: É como perguntar para uma mãe se ela tem um filho preferido. Ela até deve ter, mas não seria prudente revelar quem é. Acho que a composição especial é sempre a próxima, a que está para nascer. E, por esse motivo, recebe um pouco mais de atenção. Há previsão para o lançamento de muita coisa boa ainda esse ano. Temos um tanto de músicas prontas, e mais um tanto de músicas sendo construídas. É útero-fábrica! As filhas terão muitas irmãs.