Semana de Arte Moderna de 1922 completa 100 anos, mas o que foi o evento?

A Semana de Arte Moderna se encaixa no contexto da República Velha (1889-1930), controlada pelas oligarquias cafeeiras – as famílias quatrocentonas – e pela política do café com leite (1898-1930). O capitalismo crescia no Brasil, consolidando a república e a elite paulista, esta totalmente influenciada pelos padrões estéticos europeus mais tradicionais.

Na década de 1910, começam os primeiros debates em torno da necessidade de renovação das artes brasileira, como ma Exposição de Arte Moderna (1917), de Anita Malfatti. Em 1921, intelectuais como Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia manifestam o desejo de tornar a comemoração do Centenário da Independência do Brasil em manifesto de emancipação artística. No mesmo ano, sob patrocínio do mecenas Paulo Prado, a ideia do festival toma forma inspirado na Semaine de Fêtes de Deauville, na França. O apoio do aclamado romancista Graça Aranha também serviu para legitimar o grupo modernista, que até então era pouco reconhecido.

O objetivo do evento era o de renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com “a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual”, como informava o Correio Paulistano, órgão do partido governista paulista, em 29 de janeiro de 1922.

Vanguardas

A nova intelectualidade brasileira dos anos 1910 e 1920 viu-se em um momento de necessidade de abandono dos antigos ideais estéticos do século XIX ainda em moda no país, como o parnasianismo. O principal foco de descontentamento com a ordem estética estabelecida se dava no campo da literatura (e da poesia, em especial).




Exemplares do futurismo italiano chegavam ao país e começavam a influenciar alguns escritores, como Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida. A jovem pintora Anita Malfatti voltava da Europa trazendo a experiência das novas vanguardas, e em 1917 realiza a que foi chamada de primeira exposição modernista brasileira, com influências do cubismo, expressionismo e futurismo. A exposição causa escândalo e é alvo de duras críticas de Monteiro Lobato, o que foi o estopim para que a Semana de Arte Moderna tivesse o sucesso que, com o tempo, ganhou.

Grupo dos Cinco

O Grupo dos Cinco foi responsável, junto a outros artistas, pelo referencial ideológico e artístico da Semana de 1922. Era formado por Anita Malfatti, Tarsila do Amaral (pintoras), Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade (escritores).

O que rolou na Semana

O festival ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro no saguão do Teatro Municipal de São Paulo com a exposição de cerca de 100 obras, que era aberta ao público. No período da noite, també ocorriam três sessões lítero-musicais noturnas. A programação musical foi apresentada pela pianista Guiomar Novaes (1894-1979) e por Ernani Braga (1888-1948), que interpretaram composições de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e do francês Debussy (1862-1918).

Participaram da Semana de Artes Moderna artistas dos mais variados segmentos. Entre os pintores, estavam nomes como Anita Malfatti (1889-1964), Di Cavalcanti (1897-1976), John Graz (1891-1980), Ferrignac (1892-1958), Zina Aita (1900-1967), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Yan de Almeida Prado (1898-1987) e Antônio Paim Vieira (1895-1988).

Também participaram escultores, como Victor Brecheret (1894-1955), Wilhelm Haarberg (1891-1986) e Hildegardo Leão Veloso (1899-1966), arquitetos, como Antônio Garcia Moya (1891-1949) e Georg Przyrembel (1885-1956), e escritores, como Graça Aranha (1868-1931), Guilherme de Almeida (1890-1969), Mário de Andrade (1893-1945), Menotti Del Picchia (1892-1988), Oswald de Andrade (1890-1954), Renato de Almeida, Ronald de Carvalho (1893-1935), Tácito de Almeida (1889-1940) e Manuel Bandeira (1884-1968).

13 de fevereiro

Abertura oficial do evento. Espalhadas pelo saguão do Teatro Municipal de São Paulo, várias pinturas e esculturas provocam reações de espanto e repúdio por parte do público. O espetáculo tem início com a confusa conferência de Graça Aranha, intitulada “A emoção estética da Arte Moderna”.

15 de fevereiro

Guiomar Novaes era para ser a grande atração da noite. Contra a vontade dos demais artistas modernistas, aproveitou um intervalo do espetáculo para tocar alguns clássicos consagrados, iniciativa aplaudida pelo público. Mas a atração da noite foi a palestra de Menotti del Picchia sobre a arte estética. Menotti apresenta os novos escritores dos novos tempos e surgem vaias e barulhos diversos (miados, latidos, grunhidos, relinchos…) que se alternam e confundem com aplausos. Contudo, segundo Haroldo Lívio, o poeta Agenor Fernandes Barbosa foi o único participante aplaudido pelo público no segundo dia do evento. Quando Ronald de Carvalho lê o poema intitulado Os Sapos de Manuel Bandeira (poema criticando abertamente o parnasianismo e seus adeptos), o público faz coro atrapalhando a leitura do texto.

17 de fevereiro

O dia mais tranquilo da semana, apresentações musicais de Heitor Villa-Lobos, com participação de vários músicos. O público em número reduzido, portava-se com mais respeito, até que Villa-Lobos entra de casaca, mas com um pé calçado com um sapato, e outro com chinelo; o público interpreta a atitude como futurista e desrespeitosa e vaia o artista impiedosamente. Mais tarde, o maestro explicaria que não se tratava de modismo e, sim, de um calo inflamado.

Reações conservadoras

Na época, boa parte da mídia reagiu de forma conservadora ao Movimento da Semana de Arte de 1922 referindo-se aos vanguardistas como “subversores da arte”, “espíritos cretinos e débeis” ou “futuristas endiabrados”. Mas, uma exceção foi o jornal Correio Paulistano que apoiou os lançamentos e críticas do movimento.

Legado

A Semana de Arte Moderna de 1922 desempenha uma ruptura com o conservadorismo vigente na produção artística brasileira até então. Seus dois ideólogos principais, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, defendiam a negação de todo “passadismo” e clamam por liberdade de expressão e pela deposição dos temas tradicionalistas e importados do exterior.

A Semana não teve muita importância em sua época e levou anos para ganhar valor histórico, projetando-se ideologicamente ao longo do século. Por falta de uma ideologia comum a todos os seus participantes, dividiu-se em vários movimentos bastante distintos, todos se declarando herdeiros do movimento.

O eco da Semana 22 ainda vigorou na segunda metade do século XX, como o tropicalismo na música, a geração da Lira Paulista no teatro na década de 1970 (que introduziu Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, entre outros) e o cinema de Glauber Rocha. A Bossa Nova também deve muito aos modernistas, por sua particular interpretação do movimento antropofágico, traduzindo a influência da música popular estadunidense para a linguagem brasileira do samba ou do baião.

Entre os movimentos que surgiram na década de 1920 estão o Movimento Pau-Brasil, o Movimento Verde-Amarelo e o Movimento Antropofágico. A principal forma de divulgação dessas novas ideias era por meio de revistas, como a Klaxon e a Revista de Antropofagia.





Link curto da publicação: https://overrocks.com.br/inlh
Neder de Paula

Neder de Paula

CEO e fundador do portal OverRocks e web rádio. Designer, webdesigner, videomaker, apaixonado pela família, quadrinhos, cinema, tv, UCM, DCU, metalhead desde os 12 anos e curador musical na Divulguei e Groover.